“Domingo é dia do Senhor. Não é dia de trabalhar, de comercializar”, diz Dom Wilson


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Foto: Anderson Vieira –

O arcebispo metropolitano de Florianópolis, no qual as paróquias de Brusque fazem parte, Dom Wilson Tadeu Jönk esteve em Brusque onde visitou a paróquia São Judas Tadeu em Águas Claras. Entre suas visitas, Dom Wilson conversou com os presos da Unidade Prisional Avançada (UPA) de Brusque. Ele recebeu a imprensa e conversou com a reportagem do Olhar do Vale.  Com posições firmes, falou sobre vários assuntos. Confira a entrevista:

Olhar do Vale: Qual a sua avaliação sobre a intervenção que a prefeitura de Brusque fez no Hospital de Azambuja, no qual é administrado pela mitra? 

Dom Wilson: Algumas coisas aconteceram no hospital. Primeiro: houve um acréscimo significativo na verba que o poder público dá para os internados do Sus. E isso foi fundamental. Depois foi possível também rever a forma como estava sendo administrado, gerenciado e também houve uma grande melhoria neste sentido. Foi possível também, com essas implementações todas, gerenciar um débito que o hospital tinha. O peso deste débito foi tirado. Então é possível se dedicar ao hospital e não ficar gastando todo o tempo para administrar só uma dívida. E isso estava consumindo muito. E foram coisas que foram acontecendo e hoje o hospital está muito bem, prestando um trabalho que sempre se quis prestar. Algumas implementações têm de ser feitas, mas essas são todas para daqui pra frente.

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Olhar do Vale: Quais os maiores desafios da igreja católica?

Dom Wilson: Eu diria que um dos grandes desafios é animar a igreja. Isso é o que o Papa Francisco está fazendo. A tendência é sempre relaxar no compromisso cristão. Um cristão que não reza muito, um cristão que não se esforça muito nas coisas religiosas, um cristão que começa a relaxar nos costumes, que começa a não agir muito de acordo com o que ensina o evangelho tem de ser animado, fazer com que aconteça essa vivência cristã na comunidade. Esse é o grande desafio de todos os tempos. Mas eu vejo, assim, como o grande desafio do momento. Aqui na arquidiocese, e Brusque é um exemplo disso, são comunidades de vivência cristã intensa. E que de repente pode dar uma baixada, se tornam um pouco preguiçosos, então dar aquele ânimo sempre é um desafio.

O senhor visitou os presos da UPA recentemente. Como foi essa experiência e qual foi a mensagem deixada para eles já que eles vivem um momento de pagar pelos erros que cometeram?

 Dom Wilson: Essa é uma coisa que, como cristãos, devemos redimensionar. Eles são filhos de Deus, erraram sim e devem pagar pelo erro que fizeram. Por isso estão lá e eles sabem disso. Mas merecem nossa consideração, nosso amor e atenção. Costumo dizer: Deus ama a todos, não ama mais a nós do que aqueles que estão presos. Nós que não sabemos amá-los como deveriam ser amados. Então vamos tratar de aprender. O que nós podemos fazer e o evangelho nos pede, é que nós demos atenção a eles, os visitemos e demos atenção aos familiares. Eu dizia antes que por trás de cada preso há uma família que sofre. E pra essas devemos chegar e prestar solidariedade. Quanto a visita, fiquei muito contente com várias coisas que vi. Há um esforço em dar um bom ambiente aos que lá estão. Algumas iniciativas são louváveis. Os presos têm várias iniciativas educativas. Os prisioneiros podem exercer algumas atividades, é dada essa oportunidade. Há um bom entrosamento, também, daquilo se faz nessa unidade prisional com a sociedade civil. Há esse entrosamento. A figura do Norival Fischer que praticamente faz esse intercâmbio. E isso é importante. Humanizar. Fazer com que o prisioneiro tenha um ambiente onde ele possa repensar o que errou, mas também repensar uma vida que ele pode viver quando sair. Proporcionar isso, devemos buscar sempre.

Olhar do Vale: O senhor acredita na mudança das pessoas que lá estão detidas?

Ah, acredito. As estatísticas dizem que não são 100%. Ah, mas as mudanças existem. E digo mais: na arquidiocese nós estamos trazendo um sistema APAC (Associação de Proteção e Assistência ao Condenado). O APAC iniciou em São José dos Campos, em Minas Gerais tem várias unidades, que é uma prisão onde não tem guarda nem arma. Eles mesmos fazem o gerenciamento da vida deles dentro da prisão. É claro que não é pra todos. Isso é feito com diálogo com juiz, com aqueles que podem fazer. Mas aonde existe está funcionando muito bem. Aqueles que cumprem a pena já praticamente saem integrados na sociedade. Já com uma profissão porque já vão exercendo algum tipo de trabalho dentro da prisão. Estamos trazendo para Florianópolis. Não é uma coisa da Igreja. A Igreja apenas está incentivando e a frente disso. Depende de uma atitude do governo. O governador já assinou e já está criado esse sistema em Santa Catarina. Estamos agora nesse ano tentando construir o prédio e começar essa experiência, também, aqui em Santa Catarina. Mesmo que haja situações negativas, temos que acreditar no ser humano, senão não acreditamos em nós mesmos.

Olhar do Vale Com a chegada do Papa Francisco há um movimento pela reestruturação e pela a retenção de fieis católicos que cada vez mais migram para outras religiões como a Evangélica Pentecostal?

Dom Wilson: Isso nunca é o objetivo da Igreja e, sim, evangelizar. Fazer com que o evangelho chegue as pessoas. Se ela sai é porque isso não está ocorrendo de uma forma satisfatória. Essa mudança, essa migração é um fenômeno incentivado pelo o que vivemos no mundo atualmente, sobretudo no Brasil. É uma espécie de pulverização de ideias. Ninguém mais morre pelas ideias, busca-se aquilo que agrada e quando não agrada, busca-se algo que agrada mais. Quando isso é aplicado na prática religiosa, na prática de fé, não é muito bom. Mas os movimentos existem. A renovação carismática trouxe um grande bem para a Igreja, trouxe um acordar de tanta gente. Tem uma forma e que responde o desejo de muita gente. E essa é uma coisa boa. Não há uma forma só. Há várias coisas. Falávamos agora há pouco do Emaús, um pouco mais para trás vocês vão lembrar do Cursilho de Cristandade que ainda é muito forte aqui em Brusque. Depois a renovação carismática, agora acampamentos. São formas diferenciadas de metodologia e isso é uma riqueza. Agora querer que todo mundo use o mesmo macacão, isso não é possível. O importante é chegar naquilo que é central: que é a Palavra de Deus, o Evangelho de Cristo. E há várias formas de fazer. As pessoas são diferentes. Para algumas é importante rezar em um silêncio absoluto, para outras é melhor uma oração comum. Outras com canto e dança. Todas são formas válidas. O que não se pode exigir é que todos sigam uma forma ou outra. Isso seria uma pobreza muito grande.

Olhar do Vale: Qual o ponto de vista da Igreja com relação a toda essa questão de crises no país? O senhor acha que a Igreja precisa se envolver nestas questões ou a melhor forma é deixar acontecer e a Igreja fazer o seu papel de evangelização?

 Dom Wilson: A Igreja sempre está presente. A Igreja sempre fez parte desse mundo. Não tem como não estar. Mas a Igreja estará presente como Igreja e não como governo. Esse não é o papel. Não é o papel Legislativo, mas como Igreja, aquela que vai anunciar o Evangelho. O que aconteceu com o ocidente: o ocidente é Cristão. A sociedade ocidental se construiu sobre os valores cristãos. Dentro da compreensão que cada cultura tem desses valores. Esses valores estão sendo torpedeados agora. São várias ideias e algumas atitudes organizadas para enfraquecer estes valores e colocar outros.

Então se diz que hoje nós vivemos não uma época de mudanças. Havia mudanças, mas os valores eram os mesmo. Começa a haver uma mudança de época. Muda o pensamento, a postura, a forma de compreender, o discurso, e estamos vivendo isso. Esse será certamente um tempo de crise. O que irá surgir a partir daqui? Não sabemos direito. Mas basta olharmos a geração jovem, sobretudo ligada as redes sociais, eles tem uma outra linguagem. Uma outra cabeça. Algumas coisas não interessam a eles. Nos espanta. Nós um pouco mais velhos ficamos mais espantados com isso. Mas esse é o nosso mundo que Deus ama e devemos aprender a amar. Esse mundo que temos que aprender a evangelizar. E dentro desse mundo não devemos ter medo de propor sempre de novo aquilo que é o ensinamento do evangelho. Esse fará sempre bem. Mas pode ter uma compreensão um pouquinho diferente do que entendemos hoje. E essa passagem está sendo feita e nós devemos cumpri-la. Não sei como passaremos. Sair do Egito, depois do Egito, sempre tem um tempo de deserto, de incertezas, de não saber o porque está esse deserto. Mas devemos saber que depois do deserto está a terra prometida.

Olhar do Vale: Até porque a corrupção está muito evidenciada hoje, né?

Dom Wilson: Certo. Estas são algumas outras coisas que foram acontecendo. A corrupção é um fato que sempre preocupa e hoje muito mais que isso. Mas aonde há a corrupção crescente? Quando o nível de bem estar não é crescente. Quando há uma carestia crescente, sempre há um interesse muito maior. Não deveria ser assim, mas é. Corrupção sempre existiu, mas no Brasil cresceu muito nos últimos anos. Não vou dizer que seja nos últimos governos. Sempre teve essa chaga presente na forma de governar. Se todos os recursos econômicos vão parar numa mesma caixa, então é lá que se vai buscar. E não se busca apenas de uma forma honesta, mas também de uma forma menos honesta. E o que se pode fazer? Propondo o que nos ensina o Evangelho, temos que viver uma vida de honestidade, sem roubar. Isso é um remédio. Sobre esse valor a sociedade foi construída. E vou dizer outra coisa. Os mandamentos são palavras de Deus. Quando deixamos um mandamento de lado, estamos colocando o nosso mandamento. E quando nós substituímos o caminho que Deus indica o resultado nunca será bom. Então vocês veem como as coisas funcionam. Que bem faz para a gente a certeza de podermos andar nas ruas e saber que não seremos agredidos, ameaçados, ter essa certeza. É o não matar, que gerou um clima. As vezes não se tem tanta certeza. A palavra de Deus proporciona o melhor. Não furtar, ter respeito pela propriedade do outro. É melhor pra todo mundo. Todos os mandamentos vão proporcionar socialmente um aspecto muito positivo. E isso parece que se deixou um pouco de lado. Se vê o mandamento como uma imposição. Se mostra esse caminho para dizer que não há outro caminho. É um caminho, uma certeza de que podemos ir por aqui. Esse é o grande valor do mandamento. Tanto que a sociedade adota esses mandamentos e por isso se construiu uma civilização.

Olhar do Vale: Qual a avaliação que o senhor faz da sua agenda em Brusque?

 Dom Wilson: A visita pastoral me deixa muito contente em estar visitando todas as realidades da Paróquia São Judas Tadeu. Eu conhecia razoavelmente e estar em contato novamente com aquilo que está se fazendo é muito gratificante. É muito bom. Há uma paróquia querendo crescer, há uma busca pelo evangelho. E que essa busca seja forte. Aquilo que vou encontrando em Brusque me deixa muito animado e na certeza que aqui há um núcleo de vivência cristã muito intensa com raízes no passado e boas perspectivas no futuro.

Olhar do Vale: Qual a sua mensagem para o povo de Brusque?

Dom Wilson: Eu diria: não se deixe tomar pelo cansaço. Essa é uma doença do tempo atual. As pessoas não tem tempo pra nada, vivem afogadas, atarefadas. Não se precisa viver dessa forma. Todas as coisas mais importantes estão ficando de lado. Reconstruir a sociedade, a vida em comunidade. Precisamos dar um tempo para fazer isso. Esse tempo devemos lutar pra ter. Hoje há uma tendência de querer até se ocupar o domingo. Domingo é dia do Senhor. Não é dia de trabalhar, de comercializar. Numa época não existia os estabelecimentos abertos e não se fazia falta. Se comprava no sábado, na sexta e ficava tudo tranquilo. Mas de repente tudo começa a girar em torno disso. Então diria: estar atento para todas essas coisas que nos deixam cansados e meio aborrecidos. Outra coisa que gostaria de dizer é que nós acreditemos naquilo que o Evangelho é capaz de proporcionar na nossa vida. Aquilo que nós buscamos é o que o Evangelho proporciona de verdade.

Olhar do Vale: O senhor se posiciona contra as empresas que abrem no domingo?

Dom Wilson: Sim. Eu penso que isso não ajuda. Para a sociedade como tal, não há um grande benefício. O lucro acima de todas as coisas. Penso que para a vida das pessoas isso poderia ser um pouco diferente.

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