Andréia: a jovem que ultrapassa obstáculos pelo sonho de ser juíza

Na biblioteca da Universidade: Andréia conta que costuma ler sete livros por mês.

Na biblioteca da Universidade: Andréia conta que costuma ler sete livros por mês.
Na biblioteca da Universidade: Andréia conta que costuma ler sete livros por mês.

O desejo de mudar de vida. Quando você está comprometido com seus sonhos não existem barreiras. Persistência, fé e força de vontade podem ser algumas das palavras que marcam a história de Andréia França, de 28 anos, moradora da cidade de Gaspar, em Santa Catarina. Ela tem o sonho de se tornar uma juíza de direito. Através do ensino superior e de muita força de vontade, está prestes a se formar no curso de Direito por uma universidade em Blumenau. Nada mais gratificante, pois em sua caminhada, ela sempre precisou da lei para garantir seus direitos.

Andréia teve problemas no seu nascimento, ela veio ao mundo com malformação congênita, quando há deficiência em órgãos do corpo. Ela nasceu sem os braços e com limitações na sua locomoção.  Após a luta para viver Andréia teve outro desafio: a inclusão na educação.

A luta foi grande já que, segundo ela, as escolas não queriam aceitá-la, em uma época que a inclusão ainda era um tabu.

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Ela não está sozinha. De acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) no último Censo realizado no ano de 2010, o número de pessoas que tinha pelo menos um tipo de deficiência no Brasil representava 29,10% da população. Na região Sul do país o número é de 27,18% dos moradores dessa região. Em Santa Catarina, chega 25,72% as pessoas que se declararam deficientes vivendo no estado. Já no Vale do Itajaí, mesorregião onde Gaspar está inserida, o percentual chega a 23,74%.

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Ela foi aceita em uma creche, mas teve que sair por causa do Bullying que sofria. “Eu tive muita dificuldade com a creche. Os coleguinhas não me aceitavam e eu apanhava muito deles. Eles tiravam sarro, eu não podia correr.  Eles se aproveitavam da minha fragilidade então minha mãe me tirou da creche e ficou em casa comigo”, revela.

O obstáculo cresceu quando ela chegou na idade de ir para o ensino regular, aos sete anos.  De acordo com ela, as escolas não queriam aceitá-la, pois tinha ideia errônea que ela deveria estudar em uma instituição para portadores de deficiência mental, mas, depois de vários exames, ficou comprovado que Andréia tinha deficiência física apenas, mesmo assim, a escola não aceitou a sua matrícula.

Enquanto a mãe buscava meios judiciais para que Andréia pudesse frequentar a escola, ela foi alfabetizada pela irmã, que tinha 14 anos na época. “Com muita paciência, assim como uma professora pega na mão de uma criança para ajudar a escrever, minha irmã pegava no meu pezinho”. E assim Andréia teve contato com as letras e as primeiras sílabas.

Seus pés são suas mãos. Foi através deles que Andréia começou a também se alimentar sozinha, a escrever, desenhar e a pintar. Assim, ela se preparou para finalmente conseguir entrar na escola. “Quando eu entrei na escola, eu já sabia a ler e escrever um pouco, mas não foi tão fácil assim. O que a direção da escola propôs para o meu pai foi que eu só poderia ficar na escola até a minha irmã me formar, depois eu teria que sair. Olha só como era o preconceito e a exclusão”, indigna-se.

Mas, o tempo passou e ela conseguiu acabar o ensino fundamental e o ensino médio e começar a planejar sua ida ao ensino superior. O número de deficientes que concluem o ensino médio e vão para o superior é relativamente baixo em comparação ao universo de deficientes que existe no Brasil.

De acordo com o IBGE, apenas 5,14%  da população brasileira em 2010 completou o ensino médio ou tem curso superior incompleto. No Sul, o número é de 4,34%. Em Santa Catarina, 4,24% e no Vale do Itajaí apenas 3,71% da população dessa mesorregião.

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Porém, todos estes desafios não foram suficientes para ela desistir. Sempre com muito foco, lembra-se dos tempos de criança em que brincava de ser juíza. “Sempre nas brincadeiras eu queria ser juíza, advogada. Minhas amiguinhas até reclamavam”, dá uma gargalhada.

 

Dificuldades aumentam, mas rumo à universidade

 

No ano de 2012 ela conheceu uma pessoa que colaborou muito para que ela conseguisse caminhar ainda mais em direção ao objetivo. Foi em uma conversa informal que ela conheceu um oficial de justiça que a incentivou a lutar pelos seus direitos e a entrar no ensino superior. Mas como ir para a universidade, sendo que ela fica em outra cidade, sem recursos financeiros e sem transporte?

Junto com o oficial de justiça, Andréia conseguiu um mandado de segurança para que se tivesse ônibus adaptado para deficientes com rampa e elevador. “Negavam que eu tinha direito a ônibus, mas eles não sabiam manusear o controle do ônibus, este era o problema, depois eu vim a descobrir”, conta.

Ela pega dois ônibus: um coletivo e outro intermunicipal para ir e dois para voltar.  Assim, ela conseguiu o transporte para ingressar no ensino superior. Faltava uma bolsa de estudos.

Quando um dos ônibus não funciona ela conta com a ajuda dos passageiros para sua cadeira ser colocada no veículo. São dois ônibus para ir e dois para voltar.
Quando um dos ônibus não funciona ela conta com a ajuda dos passageiros para colocar sua cadeira  no veículo.

Ela também conseguiu uma bolsa de estudos do artigo 170 que é vigente em Santa Catarina. Os recursos do artigo 170, assegurados pelo governo de SC, são destinados à concessão de bolsa de estudos e de pesquisa a alunos economicamente carentes matriculados em cursos de graduação presencias e a distância.

O benefício vai de 25% a 100% de desconto no valor das mensalidades. Para o aluno economicamente carente portador de necessidades especiais ou que tiver comprovada invalidez permanente, o benefício é integral.

Em 2012 ela começou a trilhar o caminho do seu sonho de um futuro melhor e uma profissão através do ensino superior.

Rotina

A rotina de Andréia começa cedo.  Por volta de 5h50 ela já está pronta para pegar o primeiro ônibus. Sua sogra a leva para até a Rodovia Ivo Silveira e a ajuda a atravessar até o ponto. É um ônibus coletivo adaptado com rampa e elevador. Quando funciona, dá tudo certo. Ela sobe e o motorista prende os cintos de segurança no local destinado a sua cadeira de rodas. E quando o equipamento quebra, ela conta com a boa vontade dos passageiros que carregam sua cadeira para dentro do ônibus.

O coletivo vai até o ponto no bairro Santa Terezinha. Deste local ela pega o outro ônibus, desta vez intermunicipal, até a cidade de Blumenau, que é certa de uns 40 minutos de Gaspar.  Em Blumenau, por volta de 7h30 se estiver chovendo, um funcionário da universidade a aguarda para levá-la a sala, senão ela mesmo se dirige à aula.

 

Que venha a formatura e novos desafios

Com formatura prevista para o ano que vem, Andréia está produzindo o Trabalho de Conclusão de Curso (TCC) sobre os direitos dos deficientes. Andreia já tem seu futuro em mente: ganhar experiência como advogada ou atuar no Tribunal de Justiça para depois realizar o grande sonho da magistratura.

Isso só é possível por dois motivos: a persistência de Andréia e o acesso ao ensino superior.

A transformação na vida dela já está acontecendo. Ela já faz parte de um seleto grupo de deficientes que transpõem os obstáculos no caminho e se formam no ensino superior.  Segundo o IBGE, apenas 1,94% de deficientes conseguiram sua formação no Brasil, 1,86% no Sul do país, 1,75% em Santa Catarina e 1,66% no Vale do Itajaí.

FIGURA 03!

Mas, qual a lição que se tira de tudo isso que ela viveu? De uma coisa é certa, a lei sempre esteve ao seu lado: “Olha, de tudo que eu passei na vida, aprendi que a lei sempre esteve comigo, então nada mais justo  do que ir para a área do direito. A lei no papel, no computador é muito bonita, mas você tem que fazer valer a lei”, afirma.

E é por isso que ela quer ser juíza: “Para continuar a lutar pelo deficiente. Hoje eu sei que as pessoas não podem me negar uma coisa, dizer que eu não tenho direito, pois eu conheço a lei. As pessoas não têm que cumprir a lei para me agradar, têm que cumprir porque é um dever, está na lei”, ressalta.

E deixa uma mensagem: “Eu gostaria de dizer aos deficientes e a pessoas que não tem deficiência para irem a luta. Não é fácil, mas também não é difícil, porém, se você ficar em casa se lamentando, esperando que algo aconteça, sinto te dizer, mas não vai acontecer. Você tem que se esforçar, você é um cidadão. Tem direito igual a todo mundo”, finaliza.

 

Por Anderson Rodrigo Vieira

 

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