Entrevista: a limitação da banda larga fixa na visão de quem milita pelo consumidor

Foto: divulgação -

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Brusque– Dentre tantos, um dos assuntos que mais permeiam as rodas de conversas em todo o país, atualmente, é a limitação da banda larga fixa que as operadoras estão tentando impor aos seus consumidores. Na prática, a Internet que temos em nossa casa passará a funcionar de maneira semelhante ao pacote de dados que possuímos em nossos smartphones. Com a Vivo, por exemplo, que já franqueou o serviço, quem ultrapassar o limite de seu pacote terá o serviço diminuído ou cortado.

É claro que os consumidores brasileiros, todos acostumados a utilizar os pacotes ilimitados, não gostaram nada dessa ideia que está, inclusive, sendo amplamente acatada pelas operadoras e, também, pela Agência Nacional de Telecomunicação (Anatel). A entidade, por exemplo, já cravou que a era da internet ilimitada está chegando ao fim. Polêmicas a parte, Olhar do Vale (ODV) buscou saber a opinião de quem entende de defesa do consumidor. O entrevistado é Fábio Roberto de Souza, advogado que já tem ampla experiência na área.

Abuso ou liberalismo econômico? Trará mais vantagens ou mais desvantagens? Confira a entrevista.

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Olhar do Vale: na prática, o que muda com a nova proposta de limitação da banda larga fixa? Ficaria como nos smartphones?

Fábio Roberto de Souza: preliminarmente, em nossa opinião, a mudança não trará benefício algum  ao consumidor brasileiro. Esta história da Anatel afirmar que a limitação trará vantagem ao consumidor de baixo consumo, pois supostamente este hoje é onerado pelos consumidores de alto consumo, é balela, engodo!

Na prática, querem as operadoras, que em sua maioria também são detentoras de outras concessões de serviços como ,por exemplo, TV por assinatura, criar uma forma de limitar o acesso ao consumidor, tornando a internet fixa mais cara, fazendo-o desmotivar-se na procura de alternativas de comunicação e lazer. Basta imaginar o impacto para elas da Netflix, por exemplo. São incompetentes, não buscam criar meios atrativos de serviços, especialmente no que se refere a valores pagos e não estão aguentando a concorrência.

Isso já existe hoje no Brasil. É só ver o que conseguiram aprovar com relação à internet móvel, onde a limitação já é vigente, como lembra na pergunta ao se referir aos smartphones.

O que querem fazer, exemplificando, é o seguinte: de acordo com a proposta, os assinantes de internet fixa, dependendo da franquia contratada, poderão baixar de 10 GB a 130 GB por mês. A franquia será “promocionalmente” ilimitada até o final desse ano de 2016, para todos os clientes. A partir de 2017, a conexão será bloqueada ou terá velocidade reduzida até o final do mês, vindo o consumidor a pagar pelo excedente que consumir além-franquia. Assim, força-o a contratar mais e mais caro ou a utilizar menos a internet, para não gastar dinheiro além do programado no seu orçamento doméstico.

Uma boa pergunta não quer calar: Como as operadoras vão controlar isso e principalmente, como o consumidor vai saber se o controle está correto, como ele vai receber essa informação, podendo conferi-la? De que jeito ele vai saber se não está sendo passado para trás?

Ouso dizer ainda que, há algo maior atrás dessa pretensão, com a aquiescência da Anatel. Vejo que há anos tenta-se no Brasil, ao absoluto contrário do que fazem outros países do mundo, limitar o acesso à internet. Embora o governo insista em dizer o contrário. Sabe-se que a internet tornou-se um campo, além de consultivo, de muita discussão sobre diversos assuntos, e um dos mais comentados, indubitavelmente, é o cenário político. Não vem sendo bem avaliados aqueles que detém a “caneta”, se é que nos compreendem (…) quanto menos gente acessando a internet, quanto menos houver de reflexão coletiva sobre o que vem acontecendo no Brasil, quanto menos consumidores de baixa renda, historicamente usados como massa de manobra, tiverem acesso a informação, a quem isso interessa? Não trata-se de tese de conspiração, é fato!

Com essa história de limitação, o Brasil está na contramão das medidas mundiais para o setor de telecomunicações. O Planeta luta pela universalização da internet e o governo brasileiro está querendo autorizar a limitação. É um absurdo!

Fábio, muitas pessoas – pela internet – estão relacionando tal proposta das operadoras com o Livre Mercado. Trata-se, então, de uma medida realmente liberalista ou de um abuso ao consumidor?

Fábio: reitero. Dizer que a proposta tem por intuito valorizar o livre mercado é uma enganação. Na prática, os consumidores de serviços de internet estarão sendo prejudicados ou pagando mais cara pelos serviços ou mesmo deixando de utiliza-los. É abusiva a medida e, em face de legislação pátria vigente, ilegal.

A internet poderá ficar mais cara?

Fábio: a internet ficará muito mais cara. Seremos todos vítimas dessa manobra. Imaginem só, não apenas para os consumidores individuais, mas para o comércio, indústria, aqueles que no desempenho de atividades utilizam-se da internet. Todos passarão a ser cobrados sob a nova forma. Esse valor a mais vai para algum lugar. Quem paga mais uma vez? O consumidor, claro!

 É um caminho sem volta? O cidadão pode começar a se preparar?

Fábio: creio que a única forma de haver volta, como em tudo nesse país, é com a reação contrária da população e dos segmentos produtivos. Já vimos muitos Órgãos de Defesa do Consumidor, entidades de classe, a própria OAB e cidadãos comuns manifestando-se contra a medida, compreendendo seu impacto. Nós mesmos já estamos fazendo encaminhamentos com relação ao assunto. Só o Código de Defesa do Consumidor já é suficiente para evidenciar que trata-se de uma prática abusiva, uma mudança unilateral de condições contratuais e, sobretudo, um dano absurdo ao consumidor brasileiro.

Na sua visão, as operadoras terão sucesso neste intento?

Fábio: se reagirmos, não. A Anatel recuará.

 Quais as alternativas para o cidadão não sair perdendo?

Fábio: só existe uma alternativa: não deixar passar essa pretensão de nova forma de regulamentação da internet. A enorme perda ao consumidor brasileiro é cristalina.

Qual o papel da Anatel atualmente? Ela está sendo omissa ou está lutando pelo direito do consumidor?

Fábio: sou um crítico, quanto mais da Anatel. Nos mais de 17 anos que milito na defesa do consumidor, nunca vi uma medida sequer da Anatel em proteção, primeiro, aos interesses do cidadão brasileiro. Não temo represália: para mim é a agência mais corrupta do planeta!

Nos anos que ficamos a frente do Procon, buscamos por vezes o auxílio da Anatel e pesquisamos profundamente como os temas de interesse dos brasileiros são discutidos em seu conselho. Não vimos respaldo algum.

São frequentes, por exemplo, notícias de “multas da Anatel contra empresas e tal”. Tudo enganação. Façamo-los provar quanto disso já cobraram efetivamente. Saberão do que falamos.

Toda a nossa impressão negativa da Anatel ficou ainda mais evidente quando participamos da CPI das Telecomunicações na Assembleia Legislativa de Santa Catarina. Brigávamos havia anos com relação a cobertura de sinal de celular em Brusque e esta ação chegou ao conhecimento dos parlamentares catarinenses, que nos convidaram, juntamente com o Vereador Jean Pirola [PP], a auxiliar nos processos. A Anatel em nada colaborou, sequer compareceu a audiência da qual foi chamada pelos Deputados. Respondeu naquela oportunidade, um dia antes do ato, que “não tinha dinheiro sequer para pagar o deslocamento do representante da agência”. Como pode isso acontecer, se eles anunciam que “fiscalizam as empresas, aplicam multas”? Esse é só um exemplo. Para nós, consumidores brasileiros, a Anatel deveria estar extinta a muito tempo. Só ajuda a nos prejudicar, não defende nossos interesses em nada!

por Wilson Schmidt Junior

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